sábado, 24 de outubro de 2009

Um Lobo

Ele há coincidências! Estava eu a conquistar a paz de ler umas páginas de um livro escolhido ao acaso de entre os tesouros insuspeitos de uma prateleira de uma livraria-standard, Que chatice esta de tentar findar uma frase e ver que menti por causa da maldita mania pomposa de ter algo para contar. Eu sou ainda menos de fiar na minha impaciência de ver algo dito do que Ele que tinha pressa em ver algo feito.

Mudando de parágrafo... o livro, ainda sem nome cá dentro, O MEU NOME É LEGIÃO, acenava contudo os seus direitos de autor. Um Lobo, um verdadeiro Lobo da literatura, dizem, e eu digo amén nestas coisas muitas vezes, ditou o acaso de o comprar.

Mas a coincidência de desfolhar um livro e ver os olhos azuis (que diabo, azuis!) do seu autor no ecrã televisivo, empurraram-me para o erro grosseiro de entrelaçar intimamente o texto daquelas páginas ainda mal desbravadas com o seu autor material.

É este homem de carne e osso que a Judite sabe a duras penas não poder conhecer. Coitada da Judite! O que ela se revirava na pele de jornalista consagrada. Condoí-me dela - verdadeiramente. As portas abriam-se-lhe diante do Lobo mas ela não sabia como entrar. Condoí-me mesmo - todos sabemos o que é sentirmo-nos uns inúteis e estúpidos em pleno desempenho. Todos nós, claro, mas a carreira a pesar no lombo pode fazer-nos parecer um iô-iô quando cái ao chão por um instante que seja.

A minha sorte de boi pachorrento, que o que queria era pastar nas palavras cinzeladas do Lobo, foi o realizador ter percebido como tirar a Judite de processo tão desastroso, ao oferecer-nos os olhos e as mãos do entrevistado. O lobo abria-se, condoía-se da fronha aflita da Judite e abria-se em sorriso. Abria a porta de si mas não havia maneira da Judite vislumbrar passagem para o outro lado. Viver é mesmo assim - há portas que nunca veremos abrirem-se para nós mas o que dizer quando a nossa tarefa é fazer abrirem-se portas para um vasto público que vê mais do que nós - talvez assim suceda por estar confortavelmente sentado a pastorear. É o que digo a mim mesma quando estou em directo com os pacholas dos meus alunos e tenho de trabalhar para extrair-lhes algum minério. Sob stress laboral, uma pessoa cega e não sabe o que faz.

Mas, ainda assim, pergunto-me quem teve a infeliz ideia de colocar frente a frente aqueles dois quando se sabia que dali não podia sair namoro pegado como sucedera em entrevista ao nosso Primeiro. Neste caso foi confrangedor perceber que ou bem que o Lobo se saía com um louvor ao S.L.B., ou arriscavamo-nos, pobres bois pasmados, a ver a Júdite a enfiar-se pelas páginas do livro que tinha diante de si adentro.

Pior do que isto, só me lembro da asneira de terem colocado aquela senhora da Dois, do Outro Lado com o professor Marcelo. Ouvir da boca de José Saramago a blasfémia de querer ver consignado na Carta dos Direitos do Homem o direito à blasfémia também causou dor a estes olhos bovinos.

Àqueles que querem realmente pastorear, não aconselho o tempo televisivo - o real já é bem duro. Desfolhem antes um livro, é que não havia necessidade... mau casamento em televisão só dá certo com o grau de comicidade inerente à função de um verdadeiro bobo como é o caso do Ricardo Araújo e sua trupe.

Como sair deste buraco em que me meti ou: aceito convites para ir ver os Muse

Atraio matéria mas sou anti-matéria. Existo desde os fundos do existir com o sentido de não fazer sentido. Ocupo o espaço do que se desagrega em meu redor. Em volta de mim não existo, existe matéria para lá de mim mas nunca lhe conheço a forma e de mim partem feixes de luz que não sei o que alcançam. Não sei conhecer, as geometrias que se desenham não me pertencem mas passo a vida a aspirar.

Branco é, galinha o põe: quem sou eu?