quarta-feira, 22 de julho de 2009

A Máscara

Já viram bem de perto a máscara da morte? Não uma máscara figurativa mas uma máscara dura e fria de tecidos humanos, forma do Não-Ser que ainda ontem era. Estas máscaras enterramo-las todos um dia e normalmente esquecemo-las, reportando-nos sempre ao Ser que habitou uma vida e não ao seu simulacro - aquela máscara dura e fria que se nos ofereceu à despedida. Não compreendo a insistência em colocarmos em câmara ardente a máscara da morte se não acreditamos que haja qualquer ligação afectiva e religiosa entre aquele Não-Ser e o Ser que recordamos depois pela vida fora. Há dez anos que não me lembro de visualizar aquela máscara dura e fria, impessoal e alheia ao mundo, mas um dia destes, do nada, dei comigo a lembrá-la. Por mais que procurasse desviar-me para a recordação mais habitual, a minha mente insistia sempre naquele fotograma derradeiro e enganador.

domingo, 12 de julho de 2009

Rocinante

No outro dia a minha mãe contou-me pedaços de uma história. Uma mulher como tantas que perde o marido levado pela morte. Essa mulher recusava-se a sair à rua após a morte do seu mais-que-tudo. Nunca saía à rua sem a sua companhia e foi o seu cão que a salvou após a morte daquele. Por ele, necessitado de visitas diárias ao exterior da casa da dona, ela encontrou a obrigação que a libertou de um caminho sem saída. Está muito agradecida aos passos do cão que ainda hoje a guia. Segue o seu faro e por ele reaprendeu a pisar terrenos desconhecidos. O seu cão-guia impediu-a de cegar e vê o mundo pelos seus olhos fiéis. Fiel à sua condição, salva-a um cão que não desiste de calcorrear os caminhos necessários. Ontem fui passear e vi muitos cães-terapeutas.

Eu caço com gato, o meu Rocinante fiel que sofre se não sigo as suas necessidades. Ainda assim, o meu gato procura um vaso de terra fofa para esconder os seus dejectos quando a cama habitual da sua higiene não está limpa. Ele perdoa-me o descuido da areia suja e encontra o seu caminho sozinho, sem manifestar desconsolo por ter uma dona que se esquece dele. Quando decido seguir-lhe os passos, vê-lo ao nível do seu focinho, de seus olhos, sempre acabo por descobrir que há um caminho à minha frente, daqueles caminhos singelos mas necessários que só os Rocinantes desta vida encontram. Sem calcorrear esses caminhos singelos da necessidade, não chegamos a nenhum outro.

Obrigada, meu fiel Rocinante.

domingo, 5 de julho de 2009

Emmanuelle

Revi-me agora nela, na sua pele branca, nas suas omoplatas e joelhos, na sua vontade, no seu amor... e não é acaso que ela se movesse no Oriente - como eu nos meus devaneios eróticos que vêm e vão como o vento que toca na copa das árvores... como seios que roçam seios ao de leve. Certo só o amor que te tenho. O desejo são plumas brancas que me tocam como sem querer. Entendes a Emmanuelle?

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Joaninha

Joaninha voa, voa
Que o teu pai foi p'ra Lisboa.
Aproveita o que não doa
E repara a asa triste.

Se ele pisou fundo,
As asas quebra-as o teu eu
Que ele tomou como seu
Mas não quem tu és.

Joaninha, voa, voa
E chora teu vôo curto.
De choro não haja furto
De quem foi pr'a Lisboa.


Dedicatória a uma menina doce.

Nos teus braços

Preciso de ti, de teus braços de que, ontem, a braços com os meus, fiz esboço. Preciso dos teus braços, dos mesmos desenhados para me abraçar e para acertar com a bola no cesto.

Ajudem-me a ajudar!

Descobri ontem que os vizinhos de baixo mantêm uma família de gatos (mãe e filho, deduzo) na varanda das traseiras, ela presa por uma trela e os dois a dormir junto do caixote de areia onde fazem as suas necessidades. São condições precárias para dois gatos. Assim não podem explorar o seu território, nem usar os seus instintos para se sentirem seguros. Podem bem adoecer mentalmente. Pelo que observo, estão sempre lá. Podem os meus recentes vizinhos até ter motivos sérios para tomar tais medidas de manter os gatos assim à parte da família humana (alergia de algum deles, gravidez da mãe, ...) mas mais lhes valia dar os gatos a quem possa tratar deles convenientemente. Estou tentada a contactar a Protecção de Animais. Que acham? Que poderá fazer a Protecção de Animais pelos bichos neste caso... a solução será melhor do que o problema? A sorte dos animais mantidos em canis e gatis não me parece melhor. Podia experimentar falar com os vizinhos mas não os conheço e receio que não vejam com bons olhos a minha intromissão. Quando estive a viver no Algarve tive fortes suspeitas de maus tratos por parte de uma vizinha em relação à filha e chamei a polícia mas de nada adiantou. Tinham de apanhar a mãe em flagrante. Naquele caso talvez devesse ter contactado uma comissão da Protecção de Menores mas tinha fortes dúvidas do seu bom funcionamento, além de que as minhas suspeitas eram meros indícios trazidos pelo que ouvia que, acreditem-me, me parecia ir para além de uma troca de palavras mais acesa. Mas se funciona mal o organismo que defende o bem-estar das crianças humanas, aquele que deve garantir a sua protecção em caso de risco, funcionará melhor o da protecção dos animais? Aceita-se palpites. Ajudem-me a ajudar!

Caixa de Música

Reclinada rigidamente sobre uma cadeira imperfeita, disfarço mal a inquietude que me roubou o dia. Por causa dela não pára de crescer o sabor amargo que trago na boca seca. Roubei-me eu ao dia como a tantos dias sei lá por que via. Mas deste furtei-me por causa de um outro dia, de um beijo que não tomei à despedida. Por causa desse dia sofro do mal que já me conhece bem - neste dia. A inquietude sobra sempre para o dia seguinte como a ansiedade faz morrer o dia anterior. Nada oiço atentamente, pouco leio ou, se o faço, adormeço. Percorro em ensaios desgastantes soluções que me redimam a falha de um beijo. Um gato que se salve ao menos neste dia inútil de fatias de pão seco. Pego então numa caixinha de música igual à que detém um menino que, até ver, não precisa de uma caixinha de música guardada. Assim é por ser menino - irrequieto mas desconhecedor do sabor da inquietude. O olhar do menino embala-me e entro com ele na caixinha, à espera de um novo dia.

Nós também reparamos na caça grossa

Estive cá a matutar com os meus botões, a procurar lembrar-me de paixões avassaladoras, daquelas que se cozinha como a mousse Alsa, passo a publicidade em nome do imaginário de toda uma geração, que se inventa com estranhos com quem nos cruzamos na rua, quase de relance, fenómeno que, estou em crer, sucede com muito maior frequência com os homens quando se cruzam com belas desconhecidas (que me perdoem os homossexuais a discriminação, tal prende-se momentaneamente com a necessidade de reduzir o pensamento a um estereótipo, já que daqui não sairá nada de criativo e original). Não precisei de pensar muito, esse fenómeno só sucedeu comigo em duas ocasiões. Lembro-me perfeitamente dos locais e das circunstâncias em que a Vontade não superou o desejo de contemplar os belos que por mim passaram, e lembro-me que eram particularmente belos, altos e espadaúdos, bem vestidos e de olhar inteligente e indiciando bom carácter (fosse esse o caso ou não - nunca o pude confirmar). Na primeira situação tive mesmo de girar o pescoço para lá do que é socialmente aceite vindo o gesto de uma mulher que aprecia a beleza encarnada da masculinidade. Da segunda vez, e de novo atraída pelos fortes atributos que me deixaram siderada da primeira vez, fui mais longe, já que o jovem cavalheiro de ar distinto se fazia acompanhar, no Passeio Alegre, de um belo cachorrinho, pretexto por mim usado até ao limite da decência para prolongar aquele doce encantamento. Desta vez o estranho sorriu-me por momentos quando os nossos olhos se cruzaram "casualmente", já que os dois seguiamos o bichinho, cada qual em sentido oposto ao do outro, quase na dinâmica do anúncio do Impulse. Quase! Eu não tinha flores para lhe oferecer. Em ambos os casos corei até às orelhas, o calor que senti atestou-me da veracidade do que pensei e aqui escrevo. Desde esses momentos mágicos, nunca mais repetidos, que me pergunto se é assim com essa força toda que os homens se torcem na rua para olhar uma mulher bonita que passa, mesmo com a mãe, a namorada ou a mulher ao lado. Eu, por mim falo, só me deixo assim acorrentar a esse impulso irracional, mas irresístivel, quando o homem em questão reúne atributos físicos excêntricos e um ar de corresponder por dentro ao desejo forte que instigou a sua figura.