sábado, 29 de novembro de 2008

Um ranger de dentes

Estive a pensar, com a vaga ideia de que nenhum raciocínio produzirá algum dia uma acção dita heróica. Mas também a comédia não é prevísivel. Veremos. Constataremos a ausência de escolha efectiva e acção pura, já o sabemos. A mulher ideal! O homem ideal! Mais nos vale ser loucos e deixar de ser engenheiros e doutores, antes de nos abandonarmos ao celibato ou ao casamento. Porque tudo nos come desde sempre. Não podemos ser tudo. Eu não escolhi o celibato, fui obrigada à escolha e isso não constitui efectiva escolha. De que nos vale então fazer escolhas? Mas podemos revogá-las. Podemos trocar uma vida pela outra. Mas queremos sofrer a perda do que temos por algo que nunca será inteiramente aquilo para o que a nostalgia da nossa infância aponta - poder ser cowboy num minuto e índio no seguinte? Seremos eternos prisioneiros e as nossas partilhas, mesmo as de alcova, não passarão de um exercício infantil de experimentar a brincadeira que terminou na infância. Als das Kind Kind war... A angústia de nem tudo se poder realizar conduz-nos a caminhos estreitos que nos parecem de sentido único, estimula a indolência, prende-nos a relações vitalícias e mais às suas traições inevitáveis ou a uma secura de princípios de quem só não faz concessões porque não sabe ou não pode. Poderiamos ser livres se fossemos capazes de optar em sofrimento! Mas ainda assim, além de que raramente somos suficientemente loucos para mergulharmos voluntariamente a pele em água a ferver, ainda assim seriamos capazes de metódica e voluntariamente escolher a dor como forma de medir todas as sucessivas escolhas, que só por comodismo e preguiça, não relacionamos com o que já escolhemos? Falta-nos método! E a fé não nos basta, bestas racionais que somos, queremos a fé para nos redimirmos e não para viver sem laços eternos. Aceitamos a morte e logo achamos que podemos aproveitar tudo o que agarramos. Até poderiamos, não fossem as convenções e a sua miríade de sentimentos falsos.
Tenha eu método e ter-te-ei quanto puder e souber! À custa da dor será inevitável. Mas serei eu capaz de uma dor metódica que me dê mais paz, que me impeça de me corcomer na hesitação? Serei eu capaz de crescer docemente à sombra da tua cobardia, esquecendo-a? Que crescimento será o meu se espero que me dês a mão na minha escolha dolorosa ou que sofras comigo? Hesitamos os dois cobardemente! Mas não podemos justificar a cobardia própria com a alheia. Isso não. Façamos escolhas silenciosas e metódicas porque a de um não pertence ao outro, só nele se reflecte.
Vivemos sem método e toda a dor que julgamos ter sentido pode não passar afinal de um ranger de dentes inútil.

3 comentários:

Anónimo disse...

E assim parece ter sido o caso.

Anónimo disse...

Pois.

Porto disse...

Esta coisa do anonimato no comentário será um grilo falante de alguma consciência que não tenho? Que cómodo, apesar de cansativo, propormo-nos a guias dos outros.